Juscelino Neco

Parafusos, Zumbis e Monstros do Espaço (Editora Veneta),

Zumbis para colorir (Editora Veneta)…

 

Quer pedir um café? Suco?

Nunca recusei um café na vida.

Eu também não. Moço, vê dois cafés pra gente. Vou te fazer algumas perguntas desnecessárias, Ju, tudo bem?

Claro, adoro o questionário Proust.

Que diabos aconteceu com você para resolver fazer quadrinhos?

Li Fritz the cat.

É, Crumb é altamente contagioso. E o que mais te deixa excitado em uma narrativa gráfica? Física ou mentalmente, tanto faz. Fique à vontade.

Acho que os quadrinhos possuem uma capacidade muito particular de construir um outro tipo de realidade. É comum comparar os quadrinhos com outros tipos de narrativas pictográficas, como vitrais de igrejas, arte rupestre ou a pintura tradicional egípcia. O paralelo entre a narrativa dos quadrinhos e essas outras manifestações é bastante óbvia, centrado principalmente no conceito de “narrativa por imagens”. Mas uma coisa que muitas vezes se esquece é que até a popularização de técnicas eficientes de reprodução da imagem essas narrativas gráficas era também um modelo ilusionista, um tipo de imersão virtual primitiva, pra nos aproximarmos dos conceitos do Oliver Grau. Um camponês na Idade Média não apenas decodificava a via-crúcis, ele ficava imerso naquela construção gráfica. Acho que os quadrinhos resgatam um pouco dessa imersão. E eu realmente tenho a sensação de ser transportado pra uma realidade diferente quando leio um bom quadrinho. Acho que é uma experiência que muda uma pouco da própria percepção do indivíduo.

Deixa eu voltar meu queixo para o lugar. Meu deus, cara! Quer pedir mais um café, um bolo? Você… Você… Não quero nem fazer a próxima pergunta. Acho que vou parar a entrevista por aqui. (Juscelino ri garbosamente) O que é mais broxante?

Como leitor, o realismo fotográfico. Me entedia imensamente. Como autor, a quantidade absurda de trabalho que uma simples página demanda. É desumano.

Você pegou num ponto interessante. Também acho um porre realismo fotográfico. Perde totalmente o poder de sugestão. Sem falar que a narrativa parece estar sob um efeito de câmera lenta. Falando em câmera: uma vez o Rafa foi categórico, como ele sempre é, e disse que os quadrinhos NÃO são o primo pobre do cinema. Acredito que você compactue da mesma ideia. Mas diga aí um quadrinho que seria legal ver nas telonas. Vamos fazer nossos amiguinhos ganhar uma grana com a cessão de direitos autorias ou morrer tentando.

Não me interesso muito por adaptações, mas sofro na pele as dificuldades de ganhar dinheiro fazendo quadrinhos. Então espero que todos virem filmes, séries do Netflix, musicais de Bollywood e que os autores encham o rabo de dinheiro.

É, infelizmente autor e rabo de dinheiro são realidades distintas. Gostaria de citar algum?

Acho que eu poderia me interessar em ver alguma coisa do Suehiro Maruo sendo adaptada.

Certamente estarei na fila para ver. Uma quadrinista foda e porquê?

Pra ficar numa que conheci recentemente: Ulli Lust. Acho que ela consegue fazer uma crônica feminista que é muito leve na forma e muito pesada no conteúdo. Sem falar que ela era punk e é corajosa pra caralho.

Entre uma leitura e outra, finais abertos ou histórias fechadas??

Acho que a única forma de tocar a vida é sabendo que uma hora termina.

Você adora uma fatalidade, não é mesmo? Não sei se você leu o quadrinho Gosto do Cloro do Bastien Vivès…. Um casal de personagens está nadando na piscina. Tem uma cena onde ela diz algo debaixo d´água e ficamos sem saber o que ela disse. Aquilo me pegou de jeito. Existe alguma cena nos quadrinhos que vale a pena comentar aqui?

Eu meio que concordo com o Fontanarrosa quando ele fala que os quadrinhos são interessantes pelos pequenos elementos que vão sendo articulados e não pelo desfecho, clímax ou uma cena específica. Mesmo assim tem umas coisas que eu nunca esqueço: Rorschach sendo capturado pelo polícia; Willian Gull mutilando Mary Jane Kelly; Diomedes dançando balé; e a cena da ponte no final de Talco de Vidro.

Perfeito. Agora é a hora da pergunta indecente. Posso? Não é algo que eu queira perguntar, mas preciso seguir um roteiro. Se você fosse um personagem dos quadrinhos, quem seria? Desculpa.

O Monstro do Pântano. Fico ótimo de verde musgo.

Até lilás. Você ficaria ótimo. Agora imagine que você está na pele desse personagem e seu futuro, por algum motivo, parece desesperador. O que você gostaria de fazer exatamente agora?

Não consigo responder esse pergunta nem sendo eu mesmo.

Última pergunta e prometo não te aporrinhar mais. Ao menos, não por enquanto. (piscadinha) Mas gostaria que você fosse sincero. Como foi para você ser abduzido? 

Foi como voltar pra casa.

Um eterno romântico. Muito obrigada pela entrevista, querido. Aceita uma sobremesa?

flerte2

4 comentários sobre “Juscelino Neco

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