Rogério de Campos

Editor da Veneta

 

Quer pedir um café? Suco?
Uma cerveja? Uma Trotsky!

Não esperava menos! (risos) Oi João, tem cerveja Trotsky? 

Trotsky, Marx, Bakunin e… (olhando pra traz para se lembrar) Royal Virility Performance.

Risada geral.

Manda a Trotsky mesmo, por favor. Gracias! (ao Rogério) Vou te fazer algumas perguntas desnecessárias, tudo bem?
Claro! Mas vamos pedir mais uma cerveja antes?

Mas a Trotsky nem chegou! E cerveja quente não bebo nem se fosse a Emma Goldman! (risos) Que diabos aconteceu com você para editar quadrinhos? 
Eu queria ser desenhista de história em quadrinhos. Era o desenhista da turma. Comecei como editor dos meus fanzines. Fiz o Xerox, que revelou ao mundo os quadrinhos do Caco Galhardo e do Celso Singo.

João traz a Trotsky e enche os copos. 

Valeu, João. (erguendo o copo) Quer propor o brinde?
Um brinde aos marinheiros de Kronstadt!
Que descansem em paz! (tim-tim e um longo e gelado gole)
Mas quando inventei de fazer a revista Animal tinha tanto material ótimo a disposição, muito melhor melhor que o meu, que fiquei envergonhado de recusar alguém para publicar minhas coisas no lugar. Acho que fiz algumas tiras para o primeiro número e depois parei.
E, afinal, o mundo dos quadrinhos precisa de quadrinistas, mas precisa também de editores, gente para fazer as letras, revisores, gente que prepara o material para a gráfica, impressores, gente para cuidar da distribuição, para vender isso. (bebendo) O mundo dos quadrinhos precisa muito, por exemplo, das livrarias especializadas. Esta euforia dos quadrinhos brasileiros de agora simplesmente não existiria sem o povo da Itiban, da Gibiteria, da Comix, da Ugra, a Comic House e os outros.
É um ecossistema.
Boa essa Trotsky, não é? (enchendo o copo novamente)

Como é mesmo o slogan? “A cada gole, uma revolução”? Hahhaha! E esse povo é heroico mesmo. Minha total admiração.
Vamos pedir mais uma?

Bora. Até chegar já acaba essa aqui. (ao garçom) João! (levantando o dedo para mais uma) Mas diz aí: o que mais te deixa excitado em uma narrativa gráfica? Física ou mentalmente, tanto faz. Fique à vontade.
Ideia nova. Não novidade, mas ideia nova. Às vezes é uma ideia que foi criada há quinhentos anos, mas está bem novinha, debaixo do entulho que a indústria produz.
Às vezes são ideias épicas, às vezes são intimistas. (João derrama Trotsky nos copos) Às vezes são reportagens em quadrinhos, às vezes são histórias de fantasia. Mas sempre vivas.

 

IT´S ALIVE!! E o que é mais broxante?
Frase feita, clichê. E o equivalente disso em desenho. Quadrinhos que existem apenas para encher páginas de gibis, produzidos industrialmente, como acessório da indústria de brinquedos. Quadrinhos e textos que não têm nada para dizer e existem apenas porque seus autores gostam de ver o próprio nome publicado. O resultado é apenas mais ruído nesse insuportável inferno sonoro deste imenso shopping center em que vivemos. Quanta árvore derrubada, quanto papel desperdiçado.
O Töpffer fala que se pode narrar com texto e se pode narrar com imagens, e pode-se não fazer nem isso nem aquilo: às vezes é melhor.
Mais uma cerveja?
Você tá com sede, hein, bichím? (risos. Averiguando o nível do Trotsky, chama o garçom) João, manda mais uma que esse Trotsky tá vazado! (girando a garrafa) Deve ter um tiro em algum lugar… Não é possível! (ao Rogério) Sabe, eu parto do seguinte princípio: se o seu silêncio é mais interessante, mantenha-se calado! (liquidando a cerveja) Uma vez o Rafa foi categórico, como ele sempre é, e disse que os quadrinhos NÃO são o primo pobre do cinema. Acredito que você compactue da mesma ideia. Mas diga aí um quadrinho que seria legal ver nas telonas. Vamos fazer nossos amiguinhos ganhar uma grana com a cessão de direitos autorias ou morrer tentando. (e mais um Trotsky chega à mesa)
Acho que não é primo porque o cinema, conforme demonstro no Imageria, nasce dos quadrinhos. A primeira ficção dos irmãos Lumière é baseada em uma história em quadrinhos.
Um quadrinho que daria um ótimo filme é o Bulldogma. Estrelado por uma jovem Jeanne Moreau e dirigido pelo Chris Marker.
Hahaha, alguma coisa me diz que você quer me levar pra cama. Mas não vai rolar. So sorry… Uma quadrinista foda e porquê? 
São tantas! Para começar a Marie Duval, de quem falo bastante no Imageria. E tem a Helena Fonseca, que escrevia os gibis do Drácula, uma lady, fina, elegante e divertida. A Cynthia B. fez uma HQ sobre aborto no ano passado que foi uma das mais importantes destes últimos anos.

Nossa, eu vi isso! Foda.?
E a Chantal Montellier, que só pelo machismo generalizado não aparece nas lista dos dez melhores quadrinistas franceses do século XX.  E a Catherine Anyango… veja o que ela faz no Coração das Trevas.

Ontem mesmo estava falando dela com a Mazô! Ela é incrível.

E essa Mari Casalecchi: seu Finito é um dos melhores exemplos de que ainda é possível inventar os quadrinhos.

Põe inventivo nisso! Essa mulherada tá tirando sangue de muita gente. Não sei se você leu o quadrinho Gosto do Cloro do Bastien Vivès…. Um casal de personagens está nadando na piscina. Tem uma cena onde ela diz algo debaixo d´água e ficamos sem saber o que ela disse. Aquilo me pegou de jeito. Existe alguma cena nos quadrinhos que vale a pena comentar aqui?
Tem uma cena de piscina no Fun Home que é daquelas de tirar o fôlego. Aquela na qual Alison Bechdel, menina, da beira da piscina pula para os braços do pai. Bechdel faz aquele retrato de todos os problemas da família, mas, com essa cena, mostra a força de resistência do amor. É para isso e nada mais que se inventou a palavra “pungente”.
Mais uma cerveja!

Nada mais. (girando a garrafa sobre a mesaBem, bem ,bem… Vou te fazer uma pergunta indecente. Posso? (levantando o olhar) Não é algo que eu queira perguntar, mas preciso seguir um roteiro. Se você fosse um personagem dos quadrinhos, quem seria? Desculpa.
Deisy! Não vem com esses biquinhos e charminhos para o meu lado!.
Hnf. Capaz!
Esqueceu que já te conheço faz tempo?
E já sou personagem: sou um pirata no Caribe, o herói do romance Tortuga, do Valerio Evangelisti. Posso querer mais?  Além disso também já fui figurante em uma HQ, no Bulldogma, do Wagner Willian, e a experiência não foi muito boa: paga muito mal.

“Paga muito mal?!” Quem deveria receber alguma coisa com essa desgraça era ele! (risos) Pois muito bem, Johnny Deep, seu futuro, por algum motivo, parece desesperador. O que você gostaria de fazer exatamente agora?
Já estive várias vezes nesse tipo de situação. E sempre tem saída: às vezes é vinho, às vezes é cerveja. Falando nisso…

João! (estica o dedo) Última pergunta e prometo não te aporrinhar mais. Ao menos, não por enquanto. (piscadinha) Mas gostaria que você fosse sincero. Como foi para você ser abduzido? 
Quem foi que te contou? Não é verdade… quer dizer… não é exatamente assim… Podemos falar de outro assunto?

Te conheço, rapaz. Te conheço… Bem, Johnny, obrigada pela entrevista. (risos) Aceita uma sobremesa?
Mais uma Trotsky.

A cada gole, uma revolução!

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