Bruno Azevedo

Editor da Pitomba Livros e Discos e roteirista do Baratão 66 (Beleléu), Breganejo Blues (Pitomba), Monstro Souza (Pitomba), A Intrusa (Pitomba) entre outros.

 

Quer pedir um café? Suco?

Café. Não me dou bem com a incerteza do suco. O suco é a maior vitória do mundo industrial. Pedir um suco é mergulhar num oceano de incerteza dado pela natureza e pelo cuspe do fazedor do cuco. Nunca. Então café, que mesmo que merda, mesmo que meia, se sabe mais ou menos o que esperar.

Nunca mais vou tomar suco na minha vida! (risos. Ao garçom que não é o João. João a essa hora deve estar trabalhando no hotel. Só para situar, são três da madrugada) Oi, cê manda dois cafezinhos pra gente, por favor. Obrigada. (ao Bruno) Brunão, vou te fazer algumas perguntas desnecessárias, tudo bem?

Toda pergunta é necessária. Que horas tu sai?

Não tenho hora, não, meu amor. Mas me diga, que diabos aconteceu com você para fazer quadrinhos?

Não conseguia comer ninguém e meus poemas eram ruins (não me facilitavam em nada nessa mesma tarefa que me leva a escrever poemas).

Hohoho, tadinho… E agora, tu virou o garoto propaganda do Boston Medical Group me responda: O que mais te deixa (quase soletrando) excitado em uma narrativa gráfica? Física ou mentalmente, tanto faz. Fique à vontade. (o café é servido. Eles agradecem)

Pu! nem sei. O que me ocorre agora é o Dylan Dog, que nem em excita. O pior é dizer, às 3 e 30 da matina, que o que me fascina é uma certa correção, uma certeza tola de satisfação que você vai encontrar em qualquer Ken Parker, qualquer Hellboy. É a excitação de que não vão foder com seu tempo, como eu acho que fodem com os gibis de supererói, ou a excitação de pegar um troço novo do D’Salete e ver que ali tem alguém pensado em gibis, mas pensando mundo, como o Odyr, como o Guazelli, como o Quintanilha(trabalhando no café)

Fiquei molhadinha aqui… Não, não é isso! Derramei o café sem querer. Merda... (esfregando o guardanapo na calça) E o que é mais broxante?

Autoajuda, tem gibi de autoajuda, que é um gênero eminentemente desonesto. Também coisas que não se resolvem. Mal dos gibis. Pra mim todo mundo que ressuscita deveria permanecer morto. Tipo Jesus, aquele merda.

Hahhaahah! (em off ouvimos o Fausto Silva dizer “ô loco, meu!” e um disparo de trezoitão) Uma vez o Rafa foi categórico, como ele sempre é, e disse que os quadrinhos NÃO são o primo pobre do cinema. Acredito que você compactue da mesma ideia. Mas diga aí um quadrinho que seria legal ver nas telonas. Vamos fazer nossos amiguinhos ganhar uma grana com a cessão de direitos autorias, hein, hein, hein? Ou morrer tentando que é o que sempre acontece.

Acho a comparação em si ofensiva, nem converso, fico puto e chuto a porra só balde, quebro a mesa! Acho que nós, dos quadrinhos, já temos uma autoestima de merda, e estamos sendo sobrepujados por uma industrialização maior que nos mesmos. O Aguiar fez um comentário interessante pra ti sobre o Millar: o cara faz gibi pra fazer filme e os filmes que fazem dos gibis dele são umas merdas, mas ainda assim são melhores que os gibis dele…

Hahaha, sério que tu prefere filmes? “Preferir” é uma coisa difícil pra se dizer aqui, eu sei, mas assim não sobra nada pro Mark. A não ser… dinheiro. (risos)

Mas, respondendo agora. O monstro Souza já foi vendido pro cinema.

Ó!

E o Breganejo Blues está em vias de captação.

Óóó!

Por mim compram tudo!

Que massa!

A questão é que eu não quero muito envolvimento com isso, não, meu espaço dramático é a página.

E é assim que tem de ser!! A luta é página a página! É ali que as coisas devem se resolver. Essa coisa de elogiar uma HQ dizendo que daria a bosta de um filme é o mesmo de elogiar uma pintura dizendo que ela é tão boa que parece uma foto. BLERGHhh! Não, cara… Um pintura deve parecer uma pintura, uma HQ deve parecer as páginas de Little Nemo – só pra citar um clássico. Respeito ao suporte. Aquela coisa, né? Fazer um gibi pensando no tempo do cinema, em deixa-lo pronto para ser filmado, você irá assassinar seu trabalho, deixando muita coisa de fora. Agora, se alguém quiser lhe dar um dinheiro para rodar a porra a toda, oche, por que não? Take me your money, bitch! (risos) De onde eu estou, o único jeito de alguém ganhar uma grana com quadrinhos, e nisso entenda-se uns trinta mil – gosto de dizer valores aqui pra meio que tabelar a parada (as produtora “pira”!) e ainda assim, falando em uma produtora pequena (se for negociar com uma Fox ou HBO, o buraco é mais em baixo, filhão! é rolar na grana ou não tem conversa) – Ou se ganha uma grana através da cessão de direitos autorais para o cinema ou com algum raríssimo financiamento do governo. PNBE já não está mais entre nós… Um minuto de silêncio. (abaixando a cabeça em solenidade) 

Alguém lá fora corta o silêncio imediatamente com um xingamento intransponível. Deisy e Bruno se abrem na risada.

Talvez agora com a concessão obrigatória de vinte porcento de conteúdo nacional para a televisão, isso se torne mais “possível”.  E chega desse assunto que eu já falei demais. Diga aí, uma quadrinista foda e porquê, meu lindo? (matando o café)

Aurelia Aurita, por conseguir explorar sua própria sensibilidade de forma tão bonita em “Morango e chocolate”, que é um gibi foda e mal referendado, na minha opinião. Nos identificamos muito com as narrativas do Boilet, mas creio que a Aurelia, sendo menina, conseguiu coisas muito legais em escrever aquilo como escreveu. Sou fã. (virando o finalzinho do café)

Por que”sendo menina”? (luz e farol de alerta vermelho incidi sobre a mesa)

Porque a narrativa masculina sobre o sexo é mais “normativa” e menos embargada. Quando uma menina se aventura na própria intimidade como ela fez, é um risco. (o alerta começa a perder força)

É um risco mas não pela qualidade? Só para deixar claro.

Não. É um risco dado pelo nosso velho machismo. (fim do alerta vermelho. Uma leve fragrância de jasmim toma o lugar)

Sabe, uma das coisas que mais me motivam nessas conversas com o pessoal, são esse nomes que vem à tona. Aurelia Aurita… E esse é um caso interessantíssimo. Dois quadrinistas se conhecem e cada um expõe sua versão do romance, isso traz uma dimensão incrível. (virado-se para a câmera imaginária) Se alguém estiver lendo isso, não sei que horas vai ser, (olhando para o relógio da paredeagora são três e pouco, é tarde, mas poxa, vai atrás disso. Sério. Leia o Espinafre de Yukiko e o Morango e Chocolate. E depois me conta o que achou. Ou melhor, guarde pra si. (ao Bruno que tem os olhos sobre a noite escura) Brunão, não sei se você leu o quadrinho Gosto do Cloro do Bastien Vivès….

Li. Gosto muito.

Manja aquela cena onde ela diz algo debaixo d´água e ficamos sem saber o que ela disse. Aquilo me pegou de jeito. Existe alguma cena nos quadrinhos que vale a pena comentar aqui?

Há mil cenas nos quadrinhos que me encantam, muitas mesmo. Não sei o que ela diz pra ele ali. Pra mim é “me come”, mas claro que isso sou eu manguaçado às 3 da manhã…

Fez bem em pedir um café. (sorrindo)

(Solta um olhar repreensivo, com o corpo levemente inclinado, tentando sacar qual é a dela. Deisy sustenta o olhar mortífero e se perde no riso. Ele logo volta a responder) O que lembro mesmo é do Tom Strong, pulando pra enfrentar o Homem Modular com o mesmo gancho que usava décadas antes, absolutamente confiante nas invenções do homem. Seria uma cena tola se o Moore não tivesse pensado o Strong justamente como um homem da era só antropocentrismo, do iluminismo, da confiança total no poder do homem em transformar o mundo. A cena fica gigante se a gente ler pensando em toda a linha ABC. Acho bem foda… E também tem o Yamagata caindo pra trás com uma magnum na mão.

Aquilo foi lindo mesmo. Mas que danada de linha ABC é essa aí?

Tom Strong, Promethea, Top 10, tomorrow stories. America’s Best Comics.

Não sabia…

É muito massa. Porque ele me parece cobrir 3 períodos distintos do pensamento humano. Promethea é mítico, pré-moderno, é o pensamento mágico. Tom Strong é a modernidade, a razão. E Top Ten é a pós-modernidade, a desconstrução de tudo. Moore é genial.

É essa hora que eu levo um golpe do tacape indefectível. Au… Moore é monstruoso mesmo. Esperando esse Jerusalém para morrer mais um pouco… Mas então, Bruno, se você fosse um personagem masculino ou feminino dos quadrinhos, quem tu seria?

Ambos do Ralf Konig.

Hahha, imagine que você está na pele de algum deles e seu futuro, por algum motivo, parece desesperador. Acho que aqui não dá pra fugir muito… O que você gostaria de fazer exatamente agora?

Dar. Ou comer.

Batata! Última pergunta e prometo não te aporrinhar mais, querido. Como foi para você ser abduzido?

Tranquilo e favorável, exceto na hora que tive que dividir uma sonda com a Scully (ela não banha quando tá no espaço, nem faz a xuca).

Sério?! Porra, Scully! Não faz isso comigo… Obrigada pela entrevista, Brunão. Aceita uma sobremesa?

Só se for com conchinha.

Só se for no seu toba, safado. (risos)

Quatro horas da manhã. Sem Fusca. Sem busão. Sem metrô. Sem a menor chance de voltar para casa. Apenas Bruno, o garçom, o caixa e a madrugada lá fora parecendo áspera demais.

Meu deus, olha aquilo! 

Deisy aponta para o céu onde um raio de luz corta a estratosfera igualzinho ao incidente de Tunguska da Sibéria e do Franz também.

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