Denny Chang

Maya (Narval Comix), Trópico Fantasma (Coleção Royale)…

 

Quer pedir um café? Suco?

Nesse calor, uma cerveja.

Esse é dos meus! (batendo na mesaTem alguma preferência? Moço, desce uma bem gelada pra gente. Vou te fazer algumas perguntas desnecessárias, tudo bem?

Manda ver.

Que diabos aconteceu com você para resolver fazer quadrinhos?

Contar histórias e trabalhar narrativa através dessa linguagem. Quando descobri os quadrinhos, lá pelos 10 anos de idade, foi tesão à primeira vista. Lia muito Marvel e Tintin. E o Tintin me proporcionava uma experiência quase mística, porque ao mesmo tempo eu não entendia nada sobre aquela linguagem, as ferramentas, como tudo aquilo era construído, como funcionava. Minha experiência era pura. Abrir aqueles formatões, o cheiro do papel, as páginas, aquele desenho linha clara desgraçado, as cores, a simbiose entre texto e imagem… Eu era tomado por sensações, mas sem estar muito consciente delas ao mesmo tempo. E já existia uma vontade legítima de querer fazer aquilo no futuro, de dominar aquela feitiçaria. Sou formado em cinema, mas fui saindo do meio aos poucos. (Deisy cruza as pernas) Fazer um filme, em geral, exige muito tempo, muita gente, muito dinheiro, muito estômago, bílis, etc. Isso me conduziu aos quadrinhos também. Ficar sozinho (pelo menos uma parte do tempo), encarar o papel, pensar sobre o formato, ter essa acessibilidade de produção em termos de custo, etc. Nos últimos anos, trabalhando com quadrinhos, ilustração, frequentando feiras, aquela experiência da infância fechou um ciclo. Essa tara por publicações, pensar num formato, numa experiência e ver as pessoas acessando tuas histórias… Mas é aquela coisa, às vezes não sei muito bem porque resolvi fazer quadrinhos. Às vezes dá uma amargura, fico pensando se não devia estar investindo, explorando outra coisa. Tipo agora, acabei de receber o condomínio do mês, conta de luz… Tá foda.

Pô, Denny, eu sei bem como é isso. Em algum momento pegamos um desvio e voltar atrás fica cada vez mais difícil. Encontrar outras rotas também não é um trabalho fácil. (O garçom traz a cerveja) Por isso inventaram a cerveja. (ao garçom) Obrigada. (enche os dois copos e propõe o brinde) Aos caminhos errados! (eles brindam. Ambos bebem um longo e desejado gole. Deisy está a boca) Geladinha… O que mais te deixa excitado em uma narrativa gráfica, Denny? Física ou mentalmente, tanto faz. Fique à vontade.

Ideias executadas com primor. Agora não sei muito bem o que isso significa e não tenho isso mapeado pra mim mesmo. Quadrinhos tem essa coisa de ser maleável, de estar sempre em obras. E isso pode acontecer em diferentes dimensões, dentro ou fora de um formato clássico. Cada leitura me apresenta uma coisa diferente e por essa razão não consigo definir muito bem o que me excita em uma narrativa gráfica. As possibilidades são muitas. Existem as qualidades recorrentes, coisas que pesco e me deixam maravilhado, mas acho que são comuns demais pra causar excitação. É tipo a zona de conforto dos prazeres. Confesso que faz tempo não fico excitado com uma narrativa gráfica, mas ouvi dizer que esse Bulldogma promete, que já nivelou a qualidade dos quadrinhos pra 2016.

É, reparei que você tava olhando demais para minhas pernas… (risos) A próxima pergunta vem bem a calhar: Na novela gráfica, o que é mais broxante?

Boas ideias executadas de forma relaxada, rasa, sem compromisso, que seguem pelo caminho mais óbvio, etc.

Uma vez o Rafa foi categórico, como ele sempre é, e disse que os quadrinhos NÃO são o primo pobre do cinema. Acredito que você compactue da mesma ideia. Mas diga aí um quadrinho que seria legal ver nas telonas. Vamos fazer nossos amiguinhos ganhar uma grana com a cessão de direitos autorias ou morrer tentando.

Gostaria de ver um documentário inspirado no “A Caixa de Areia“, do Mutarelli. Mas não sei exatamente como. Talvez propondo que ele revisite as situações e temas do livro a fim de ver, entre outras coisas, que caminhos e dimensões a narrativa poderia tomar. Sinto que oferece um terreno interessantíssimo pra explorar. Acho que o “Apocalipse Nau” do Guazzelli inspira um bom documentário também, com alguns trechos em animação. Ficaria bonito.

Sabe que eu ainda não li o “Apocalipse Nau”? Estão falando bem demais! Quero conferir isso (inclinando-se para o entrevistado, com voz sensual) bem de pertinho, Denny… (endireitando-se) Agora me diz aí uma quadrinista foda e porquê?

Foda, foda mesmo, a Alison Bechdel. Ela trabalha com excelência narrativa e edição, constrói textos densos e consistentes e casa com uma arte bastante fluida. É até meio ridículo resumir o trabalho dela em duas linhas, assim. E tem a coisa da autobiografia, da investigação, de esmiuçar mecanismos de relacionamentos. Particularmente isso me interessa muito.

(Faz uma espécie de um passe espírita) Alison está entre nós… Não sei se você leu o quadrinho Gosto do Cloro do Bastien Vivès…. Um casal de personagens está nadando na piscina. Tem uma cena onde ela diz algo debaixo d´água e ficamos sem saber o que ela disse. Aquilo me pegou de jeito. Existe alguma cena nos quadrinhos que vale a pena comentar aqui?

Fico com uma que pra mim foi muito significativa e marcou uma virada na minha compreensão do que pode ser feito nos quadrinhos. É a parte final da história Caricatura, do Daniel Clowes. O tom da história me marcou muito, aquela carga de depressão, e também saber que era possível fazer aquilo. Mas sobre cenas, me refiro à página final, tem um quadrinho que o personagem coloca em dúvida a ideia de ter tentado manter um diário, enquanto ele (a gente) vê o reflexo dele na água sanitária com dois tocos de merda boiando em volta. Aquilo me deu angústia e deleite ao mesmo tempo. De vez em quando releio essa história.

Ah, cara, essa cena me pegou também. É MUITO FODA! (virando-se para uma câmera inexistente) Se você quer saber sobre a miséria da condição humana barra desenhista, LEIA a Caricatura do Clowes. Sem mais. Obrigada. (voltando-se para Denny) Sabe que eu saí pra tomar um café com ele. Há dez anos. Até hoje não senti nem o cheiro do café. Tudo bem que ele nem estava sabendo disso, mas… Enfim, vou te fazer uma pergunta indecente. Posso? (pausa) Não é algo que eu queira perguntar, mas preciso seguir um roteiro. Se você fosse um personagem dos quadrinhos, quem seria? Desculpa.

Hm, Barbarella ou a Rê Bordosa.

Rê Bordosa, por favor…. Aquela bandida mal comida! (risos) Imagine que você está na pele da Rê Bordosa e seu futuro, por algum motivo, parece desesperador. Vou lhe perguntar mas a resposta é um tanto óbvia. O que você gostaria de fazer exatamente agora?

Tomar a próxima dose, ou ir atrás da próxima trepada. Ou os dois, juntos.

Essa é a Rê Bordosa que eu gosto!! (risos mais uma vez) Última pergunta e prometo não te aporrinhar mais. Ao menos, não por enquanto. (piscadinha) Mas gostaria que você fosse sincero. Como foi para você ser abduzido? 

Acho que tá sendo, porque essa vida parece uma abdução, né? E não é das mais fáceis, mas esse papo tá bom e não vou entrar nesse vórtex de mal estar.
Há alguns relatos de que a coisa não tão ruim quanto parece. Amore, obrigada pela entrevista. Aceita uma sobremesa?
(Antes que Denny possa responder, um grupo de homens vestindo máscara alienígena invade o bar e sequestra o autor de Maya.)
denny-chang

 

 

 

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